Pequenos grupos humanos foram se adaptando e modificando diversos ambientes em formação, território conhecido hoje como Brasil. Surgiram, assim, paisagens como o Cerrado, a Mata Atlântica, a Floresta Amazônica.

E quando tudo isso aconteceu? Aconteceu no período seguinte ao Pleistoceno que é chamado pelos arqueólogos de Arcaico. E está compreendido entre 10 mil e 2500 anos atrás, aproximadamente. Foi nesse período que grupos humanos bastante distintos culturalmente foram se formando. O aumento do número de sítios arqueológicos datados desse período mostra o aumento da população, que ocorreu ao longo dos milênios.

O que é um sítio arqueológico?

 Itaú Cultural Arqueologia.
Itaú Cultural Arqueologia.

Os povos que não utilizavam a escrita só podem ser conhecidos hoje por meio dos vestígios materiais que deixaram nos locais em que viviam. O sítio arqueológico é o que restou das coisas que as pessoas fabricaram e usaram ao longo de sua vida em um determinado lugar (panelas de cerâmica, restos de machado e outras ferramentas feitas de pedra, sinais de que fizeram roças e plantaram alimentos etc.).

Quais as principais mudanças acontecidas no início do período Arcaico?

Houve um aumento gradual da temperatura e, por isso, muitas mudanças ocorreram no meio ambiente, transformando também a vida das populações que ocupavam o continente.  Dentre essas mudanças destacam-se a formação de grandes áreas de floresta, a mudança no regime dos rios, que passaram de temporários a perenes (não secam mais) e a formação e expansão de manguezais (vegetação própria de regiões de encontro do rio com o mar).
 Claudio Tavares/ISA, 2008.
Claudio Tavares/ISA, 2008.
 Claudio Tavares/ISA, 2008.
Claudio Tavares/ISA, 2008.
 

Foi assim que surgiu uma grande variedade de recursos naturais que são utilizados até hoje pelos seres humanos.

 Pedro Martinelli/ISA, 2002.
Pedro Martinelli/ISA, 2002.

Muitas pesquisas dizem que é provável que parte do que conhecemos como "natureza selvagem amazônica" tenha sido produto de milhares de anos de manejo de recursos naturais por parte das populações indígenas da região. Pode-se dizer o mesmo de outras regiões do Brasil. Manejar é cuidar de um recurso natural (uma planta, por exemplo) de forma que ele não acabe e que possa ser usado sempre.

Os povos do período Arcaico continuaram sendo caçadores e coletores?

O maior conhecimento do meio ambiente fez com que essas populações crescessem e se modificassem. Aos poucos elas foram se espalhando por todos os cantos do Brasil. Por volta de 4 mil anos atrás não havia um lugar que não tivesse sido ocupado por esses grupos de caçadores-coletores.

Esses povos plantavam?

Sim! As primeiras experiências de domesticação e manejo de plantas foram feitas a partir de 7.500 anos atrás. Isto é, as populações que viviam no continente americano começaram a plantar e a cuidar de plantas que consideravam importantes.

 Júlia Trujillo, 2006.
Júlia Trujillo, 2006.

E a domesticação de animais?     Aconteceu na região da cordilheira dos Andes, mas não no território que veio a ser o Brasil.       

O cultivo de plantas como o tabaco, o milho e a pimenta, existia em quase todo o continente americano à época da invasão dos europeus.

 Beto Ricardo/ISA.
Beto Ricardo/ISA.
Ilustração de tabaco e milho, plantas cultivadas em quase todo o continente americano à época da chegada dos europeus. Ilustrador 8D - José Vitor Calfa.
Ilustração de tabaco e milho, plantas cultivadas em quase todo o continente americano à época da chegada dos europeus. Ilustrador 8D - José Vitor Calfa.

Qual a maior contribuição dos indígenas americanos a outras populações do mundo?

Uma das maiores contribuições dos indígenas americanos a outras populações do mundo foi a grande quantidade de plantas por eles domesticadas antes da colonização, como os diferentes tipos de batata, cará, mandioca, o amendoim, a abóbora, o maracujá, o cacau, o tomate, o mate, a baunilha, o abacaxi, o caju, o mamão e muitas outras!

Quando as populações no Brasil deixaram de ser nômades?

No final do período Arcaico, por volta de 2500 anos atrás, muitas das populações que possuíam a tecnologia da pedra lascada deixaram de ser nômades. Um povo nômade é aquele que não tem uma habitação fixa, que vive mudando de um lugar para o outro. Esses povos criaram aldeias e passaram a ocupar territórios extensos, com caminhos de ligação entre elas. A riqueza de recursos que o ambiente oferecia (fartura de plantas e animais, por exemplo), as técnicas que descobriram para estocar e guardar e as trocas de mercadoria e conhecimentos entre os povos possibilitaram um grande desenvolvimento. E as populações aumentaram, assim como os territórios que ocupavam.

O que se sabe sobre a ocupação do litoral brasileiro?

 Museu da Língua Portuguesa.
Museu da Língua Portuguesa.

Os sítios arqueológicos mais conhecidos do litoral são os sambaquis, sendo a maior parte deles datados entre 8 e 2 mil anos atrás. Sambaqui em Tupi quer dizer "monte de conchas". São colinas formadas por conchas de moluscos consumidos por antigas populações.

 Silvia Futada, 2009.
Silvia Futada, 2009.

Neles são encontrados também restos de esqueletos humanos, instrumentos de pedra lascada e polida, além de objetos feitos de ossos, dentes e conchas. Os sambaquis são encontrados desde o litoral do Nordeste até o Rio Grande do Sul, mas também na Amazônia.

 Paulo De Blasis.
Paulo De Blasis.

Os tamanhos dos sambaquis variam: desde pequenos montes de 10 metros de comprimento e 2 metros de altura, até verdadeiras montanhas de 500 metros de extensão e mais de 60 metros de altura.  

Ainda existem esses grandes sambaquis?

Sim, mas somente aqueles que não foram destruídos pelas alterações marítimas e pela exploração econômica. Os sambaquis mais antigos ficaram embaixo da água; restaram apenas uns poucos, localizados em áreas mais afastadas do litoral.  

 Paulo De Blasis.
Paulo De Blasis.

Quando os portugueses chegaram ao litoral, eles não encontraram as sociedades dos sambaquis?

Não, encontraram outras bem diferentes. Os povos indígenas aqui encontrados e depois descritos pelos viajantes europeus foram povos falantes de línguas Tupi. Eles viviam em grandes aldeias, às vezes com até 2 mil habitantes.

O que aconteceu com as sociedades dos sambaquis?

 Wagner Souza e Silva (MAE/USP)
Wagner Souza e Silva (MAE/USP)

Elas desapareceram! Não se sabe ao certo porque, mas um dos principais motivos foi a chegada dos numerosos grupos falantes de línguas Tupi ao litoral, por volta de 2 mil anos atrás.

Como viviam os povos de línguas Tupi?

 Melatti, 1980 pp. 40-41
Melatti, 1980 pp. 40-41

Esses povos viviam, principalmente, do cultivo de alimentos pelo sistema de coivara, que ficou conhecido popularmente como roça.

Como se faz a agricultura de coivara?

Primeiro derruba-se um trecho de mato, não muito grande. Depois de deixar o mato derrubado secar por um tempo, coloca-se o fogo, que limpa a área e a cobre de cinzas. Em seguida, faz-se uma limpeza na roça, tirando galhos e restos de árvores que não queimaram. Com as primeiras chuvas, plantam-se numa mesma roça diferentes espécies, como milho, feijão, mandioca, batata, cará. Esse é um jeito de garantir a fertilidade do solo e evitar pragas. Depois é só manter a roça limpa. Ainda hoje a coivara é uma técnica praticada em todo o território brasileiro. O impacto ambiental que esta técnica provoca é pequeno porque nunca se derruba uma área grande e, além disso, depois de alguns anos de uso, a roça é abandonada e a floresta volta a crescer.

  François-Michel Le Tourneau, 2006.
François-Michel Le Tourneau, 2006.
 François-Michel Le Tourneau, 2006.
François-Michel Le Tourneau, 2006.

   

De onde vieram esses povos que ocuparam o litoral?

Do interior. Segundo estudos linguísticos e arqueológicos, os grupos falantes de línguas do tronco Tupi tiveram uma origem comum. Um grupo original, localizado entre o baixo e o médio Rio Amazonas, ao viver um processo de grande aumento da sua população, por volta de 3 mil anos atrás, deslocou-se e passou a conquistar a maior parte do território que veio a se tornar o Brasil. Para saber o que é um tronco linguístico, veja Línguas indígenas.

 Museu da Língua Portuguesa.
Museu da Língua Portuguesa.

Os nomes de lugares é um bom exemplo para mostrar a expansão dos grupos Tupi. Há lugares com nomes em Tupi em distantes regiões do Brasil. Araraquara é um bom exemplo disso: é um nome de cidade no interior de São Paulo e de rio no extremo norte do Estado do Amazonas. Os vestígios arqueológicos mais importantes deixados por esses grupos foram restos de potes e tigelas de cerâmica encontrados nos locais das antigas aldeias.

Os povos de línguas Tupi habitaram também o Planalto Central?

 Melatti, 1980 pp. 40-41
Melatti, 1980 pp. 40-41

Não. Na região que agora chamamos Planalto Central Brasileiro, viviam populações indígenas bem diferentes dos Tupi. Nessa região seca, formada por chapadas e serras, conhecida como cerrado, se formaram sociedades com costumes diferentes dos costumes Tupi.   Falavam línguas do tronco Macro-Jê. Para saber o que é um tronco linguístico, veja Línguas indígenas.

Quando os povos de línguas Jê ocuparam o Brasil central?

Há mais ou menos 11 mil anos. Até uns 2 mil anos atrás os Jê eram grupos nômades de caçadores-coletores. A partir de mais ou menos 1400 anos atrás, ocorreram importantes mudanças nos modos de vida dessas populações, que passaram a formar grandes aldeias e a desenvolver a agricultura. As aldeias circulares predominaram como forma de ocupação do espaço e se espalharam por toda a região! Os sítios arqueológicos mostram que cerâmicas elaboradas foram produzidas nesse período.

Como foi a ocupação na Amazônia?

A Amazônia, durante muitos anos, foi vista pelos estudiosos como um “deserto verde”, ou seja, era considerada um lugar onde não havia ninguém, só mata. Todos acreditavam que sua ocupação teria acontecido há pouco tempo e por um pequeno número de habitantes, mas estudos recentes apontam exatamente o contrário.

 Pedro Martinelli/ISA, 2002.
Pedro Martinelli/ISA, 2002.
 Pedro Martinelli/ISA, 2002.
Pedro Martinelli/ISA, 2002.
 

A história da ocupação humana na Amazônia teve início há pelo menos 12 mil anos, num período em que as práticas de agricultura não haviam sido adotadas. Os dados disponíveis mostram que estes primeiros grupos tinham um modo de vida baseado na caça, pesca e coleta, e que manejavam uma série de plantas, como a pupunha, o mamão, pimentas e a mandioca.

Onde apareceu a técnica da cerâmica?

Na Amazônia! Esta foi a área de origem e de expansão da produção de cerâmicas e outras técnicas importantes.

Restos de vasilhas de cerâmicas datados de 8 mil anos atrás foram encontrados ao longo do rio Amazonas e de seus afluentes (rios menores que contribuem para a formação de um rio maior), o que comprova a origem desta técnica. Essas evidências apontam para a existência de um estilo de vida adaptado ao ambiente de rio, rico para atividades de pesca, coleta, cultivo e manejo de diferentes recursos naturais. Essas populações ribeirinhas, isto é, que viviam próximo aos rios, cultivavam variedades como a abóbora, a mandioca e o milho.

 Museu da Língua Portuguesa.
Museu da Língua Portuguesa.

Por volta de mil anos atrás, culturas muito complexas se desenvolveram ao longo do Rio Amazonas. As culturas Marajoara e Tapajônica, com seus enfeites e cerâmicas muito bem-trabalhados, são exemplos da beleza das culturas amazônicas. Estas deram origem a algumas características das culturas dos povos da região da cordilheira dos Andes.

Assim, a Amazônia pode ser vista como berço de vários povos indígenas que, a partir dali, se expandiram e também conquistaram grande parte do que hoje é o Brasil.

 Wagner Souza e Silva (MAE/USP)
Wagner Souza e Silva (MAE/USP)
 Maurício de Paiva/Entorno
Maurício de Paiva/Entorno
 

Fontes de informação

  • Museu de Arqueologia e Etnologia-MAE

Brasil 50 mil anos: Uma viagem ao passado pré-colonial (Guia temático para professores)

  • Museu de Arqueologia e Etnologia-MAE

Programa de educação patrimonial do levantamento arqueológico do gasoduto coari-manaus (Guia temático)

  • Eduardo Góes Neves

Os índios antes de Cabral: arqueologia e história indígena no Brasil, do livro A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1° e 2° graus (1995).